quarta-feira, 29 de junho de 2011

COLUNA DO JORNAL "O SUL" (25/6)

O CASO DA PRISÃO DO PROMOTOR

Foi a notícia da semana: “defensora pública prende promotor de justiça”. Minha reação imediata foi uma onomatopeia (tsk, tsk, tsk). Sem precisar discutir a “causa”, lembremos: no meio do júri, o promotor teria proferido palavras ofensivas à juíza. A defensora teria dito à juíza: ele está lhe desacatando. Prenda-o... A juíza disse que isso era caso para a Corregedoria. Ato contínuo, a defensora disse algo do tipo “então o prendo eu”. E o fez, segundo ela, como “qualquer do povo”...!

QUEM PODE PRENDER?

A aguerrida defensora deveria ter lido a Lei 8.625 (art. 40), o Código de Processo Penal e a Constituição. Pela Lei, um Promotor somente pode ser preso em flagrante por crime inafiançável ou por ordem escrita do Tribunal (nem de um juiz a ordem pode ser); pelo CPP, sabe-se que qualquer do povo só prende quando não tiver autoridade para determiná-la; e, pela Constituição, sabe-se que, ao contrário da defensora, o Promotor possui foro privilegiado.

A SUCESSÃO DE EQUÍVOCOS

Um júri não é um circo. Não deve servir para bate-bocas e disputas corporativas. O Promotor, com seu comportamento, “não se ajuda nem um pouquinho”, como se diz lá no Itaqui. Entretanto, se assacou ofensas, isso é matéria para processo criminal e administrativo, feitos a posteriori. Mas, insisto, mesmo que o desacato estivesse escancarado, não caberia a prisão em flagrante. E muito menos por obra da defensora. Aliás, em um primeiro momento, a juíza acertou. Instada pela defensora, disse que não o prenderia. Mas, em um segundo momento, errou feio ao não admoestar a defensora, que acabara de cometer um disparate (e não adianta dizer, agora, que há uma diferença entre “voz de prisão” e “prisão efetiva”... - sic). Se a defensora desconhecia a lei, a juíza, então, deveria tê-la corrigido. Com isso, em um terceiro momento, o Promotor, de acusado, passou à vítima, porque o privaram de sua liberdade.

LENDAS URBANAS E CORPORATIVISMO

Assim se formam as “lendas”. A internet está repleta de fofocas, dando conta do “poder de prisão” da defensora pública. Calma, pessoal. A coisa não é bem assim. Penso que a própria Defensoria Pública, instituição tão importante, deveria vir a público para esclarecer isso, para que não fiquemos apenas com as versões emocionais dos “contendores”. Com honestidade intelectual, vamos esclarecer para as pessoas que pagam nossos bons salários, quem, afinal, pode prender em uma seção do júri...! Ou isso é uma “questão de mera opinião”? Meus leitores entendem o que quero dizer? Ou a prisão poderia ter sido feita ou não. Mas, por favor, vamos deixar isso claro, antes que as lendas se consolidem, ao calor das paixões corporativas. E quando falo de corporativismo, lembro-me de uma história que se passou comigo. Estava eu no Rio de Janeiro, convidado para um painel sobre garantias processuais na Defensoria Pública. No meio das falas, fomos interrompidos - diga-se, com toda a lhaneza - pelo Defensor-Geral, anunciando que uma defensora tinha obtido um habeas corpus para um indivíduo acusado de ter matado parte de uma família, em um caso rumoroso. E todos aplaudiram entusiasticamente. Tudo bem. Como sou um militante das garantias dos réus, tendo sido um dos primeiros após a Constituição a radicalizar isso, sou insuspeito para falar sobre essas coisas (além disso, várias vezes escrevi que a ausência de Defensoria nos Estados configura inconstitucionalidade, além do cabimento de ADPF). Meus livros e minhas ações falam por mim. Mas - e rogo para que não me entendam mal - naquele episódio do Rio uma coisa me deixou intrigado e não consigo tirá-la da cabeça: por que as palmas prolongadas? Precisavam comemorar a soltura do “cara”? Ou, quem sabe, a exemplo do que possa ter ocorrido no júri desta semana em Porto Alegre, o acusado era um troféu em disputa? Na República, réu não rima com troféu... Peço que reflitam a respeito!

Nenhum comentário:

Postar um comentário