quinta-feira, 2 de junho de 2011

Notícia sobre a Conferência de Direito Constitucional Aplicado - Centro de Convenções de Salvador

Aproveito o domingo à noite para remeter pequena notícia sobre a conferência no Congresso de Direito Constitucional Aplicado, no Centro de Convenções de Salvador. Congresso enorme, com a presença de Gilmar Mendes, Carmen Lucia, Peter Häberle, Ingo Sarlet, Luiz Alberto David de Araújo, entre outros. Meu tema foi Perspectivas Críticas do Direito Constitucional. Depois de uma certa decepção com a conferência em Recife, conforme relatei em outro momento, decidi fazer uma conferência ao meu velho estilo. Posso chamar isso de "voltar aos velhos tempos de mim". Por isso, falei sobre o conceito de ideologia, desmontei o sentido comum teórico dos juristas e tudo o que ele representa no plano da sustentação da dogmática jurídica. Penso que essa "capa de sentidos" que é a dogmática necessita ser desmi(s)tificada. Lembrei de contar na palestra a parábola das lavadeiras, que inventei há alguns anos (na verdade, há uns quinze anos atrás). Duas lavadeiras lavavam as roupas quando, ao longe, avistaram uma batalha, na verdade, um "monte de gente brigando". Disse uma lavadeira a outra: voce está vendo o que eu estou vendo? Estou, respondeu a outra. E o que me importa? Um bando de gente brigando... Vamos fazer nossa obrigação: lavar a roupa. Pois bem. Aquele monte de gente era, na verdade, a Batalha dos Guararapes, que mudou a história do Brasil. A quetsão é: ver não é igual a compreender. É isso: no direito é exatamente assim. Como os juristas não conseguem perceber as iniquidades do Código Penal? Uma filtragem hermenêutico-constitucional realmente feita no Código Penal faria com que este ficaria reduzido a pó. Mas o que os manuais fazem? Continuam reproduzindo as mesmas coisas de antes da Constituição. Com raras exceções, os juristas de terrae brasilis continuam a apostar na velha teoria do bem jurídico. E isso se aplica aos demais ramos do direito. O que dizer do CPC? O instrumentalismo processual, a partir de uma leitura "torta" do ativismo proposto no século XIX por Oskar von Bülow, conseguiu fragmentar o processo brasileiro, a ponto de as mini-reformas não terem resultado em nada... Na verdade, "em tudo": o protagonismo judicial transformou o processo em uma corrida de obstáculos, sendo a preocupação fundamental a de buscar efetividades quantitativas. As súmulas vinculantes, a repercussão geral e a PEC dos Recursos vieram de onde? Da fragmentação provocada pelo protagonismo sem freios. Afinal, como é corrente na comunidade jurídica, a interpretação da lei é um ato de vontade. Por isso, jactam-se em dizer que "a decisão judicial é um ato de consciência" (decido conforme minha consciência?). Por isso, o direito traiu a filosofia. Os projetos do CPC e do CPP, prestes a serem aprovados, nada mais são do que produtos de um atraso filosófico, uma vez que apostam no livre convencimento. Ora, isso não é nada mais, nada menos, do que a velha filosofia da consciência. Mas adianta denunciar isso tudo no seio da comunidade jurídica? Há gente que diz que o "livre convencimento" está no art. 93, IX, da Constituição. Ledo engano. Na verdade, trata-se do contrário disso. A exigência de fundamentação constante no art. 93, IX quer dizer "fundamentação da fundamentação", ou seja, aquilo que venho denominando de "accountability hermenêutica" (há vários textos em que explico isto). Ora, não interpretamos para compreender, e, sim, compreendemos para interpretar. Isso faz a diferença! Claro que não disse isso nestes termos na conferencia em Salvador. Procurei fazer a crítica de outro modo. Mostrei a crise do direito e da dogmática através de exemplos vários (além de novamente mostrar os problemas decorrentes do uso absolutamente inadequado da ponderação aqui em terras brasileiras). Tematicamente, procurei denunciar o desprezo que a dogmática jurídica tem, quando interessa, pela "letra da lei" (não esqueçam de ler, para os que ainda não fizeram, o texto acostado em outra mensagem do facebook - Aplicar a letra da lei é uma atitude positivista?). Recentemente, o STF, no julgamento de um habeas corpus, por uma de suas turmas, deixou assentado que o descumprimento do art. 212 do CPP é apenas um caso de nulidade relativa. Errou o STF. Ora, o art. 212 é uma conquista da democracia, porque institucionaliza o "princípio acusatório". O STF disse que era aplicável o velho princípio geral do direito, denominado "não há nulidade sem prejuízo". Ora, princípios gerais do direito eram axiomas inventados no século XIX com o propósito de "fechar" o sistema decorrente do positivismo exegético. De que modo podemos falar ainda de "princípios gerais do direito" em pleno Estado Democrático de Direito? Pode um velho axioma inventado no sec. XIX valer mais do que uma lei votada democraticamente (a nova redação do art. 212?). Pode um axioma suplantar um direito fundamental? Esse é o problema: juristas como Luis Flávio Gomes e Guilherme Nucci sustentam que a nova redação não deve ser aplicada...! E parte do Superior Tribunal de Justiça (onde a discussão está aparentemente empatada) cita a doutrina dos penalistas paulistas. A questão é: de que modo um Tribunal pode deixar de aplicar uma lei votada democraticamente sem aplicar a jurisdição constitucional? É possível deixar de aplicar uma lei simpelsmente porque, no dizer de Nucci, melhor mesmo é "manter a tradição", na qual o juiz é o inquisidor-mor? Enfim, com vários exemplos e inserções do direito e literatura, o resultado da conferência foi absolutamente reconfortante. Diria que foi emocionante. Aplausos de pé durante vários minutos, filas enormes para autógrafos e fotografias. Alunos sedentos de conhecimento e de crítica. Que coisa bonita. Gente que fez mais de mil quilômetros para assistir as palestras. Gente fã do programa direito e literatura. Alunos que não perdem um programa. Alunos que trazem monografias de graduação para eu ler. Gente que não tem dinheiro para comprar os livros e que pede autógrafo nos cadernos e nos crachás. Há momentos que é difícil de conter a emoção nestas ocasiões. PS: contei de novo o Medida por Medida, de Shakeaspeare, para mostrar o dilema entre "objetivismo e subjetivismo" (no Hermenêutica Jurídica em Crise conto isso melhor). É isso, por enquanto. Ariel, Cla e Malu: gracias pela "janela" do face. Quando der, mando notícias.

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