quinta-feira, 2 de junho de 2011

COLUNA DO JORNAL "O SUL" (14/05)

TUDO CULPA DA PÓS-MODERNIDADE
Vivemos em tempos “pós-modernos”. Tudo é fluido. Não há mais fundamentos. Por exemplo, a dita pós-modernidade está acabando com a língua. Vivemos em um “imaginário twitter”, que vem a calhar para quem quer pensar pouco e ler menos ainda: “seu mundo em 140 caracteres” – eis a promessa pós-moderna. Qualquer anônimo se transforma em “alguém”, twittando. Nestes tempos “líquidos”, em que tudo escorre por entre os dedos, como a areia da ampulheta, estamos sendo imbecilizados. Já notaram que a TV ajuda muito nisso? O repórter só consegue falar da enchente quando está com água pelo pescoço. “O trigo subiu de preço”... e onde está o (ou a) repórter? No meio do trigal. Bingo! Você está proibido de pensar. O discurso pós-moderno deve ser prêt-à-porter, prêt-a-parler e prêt-à-penser (como ninguém mais lê, traduzo: pronto para usar, para falar e para pensar). Já vem tudo empacotado.

TUDO CULPA DA PÓS-MODERNIDADE II - PALAVRAS E COISAS
Pensam que isso não é sério? Buscamos sempre facilidades. A comunicação tem que ser direta, dizem. Não pode haver “floreios” linguísticos. Use jargões. Facilite a vida do telespectador, ouvinte ou leitor, com tiradas a la Hommer Simpson. Mais: seja eficiente, buscando a isomorfia entre palavras e coisas. Outro dia vi uma reportagem na TV, em que uma filosófa/dublê de repórter tentava explicar o Mito da Caverna, de Platão (sabe aquele filósofo?). E, adivinhem, onde ela fez a reportagem? No interior da caverna, é claro...! Ou seja, nenhum imbecil imaginaria que Mito da Caverna tem a ver com uma caverna (aqui estou sendo sarcástico, é claro). Logo depois, a moça buscou explicar a filosofia de Heráclito, filósofo do movimento. Onde foi a locação? Bingo! Em cima de um caminhão... Sabem como é: movimento, caminhão, andando...! É por isso que eu vou estocar comida. O caos é iminente.

TUDO CULPA DA PÓS-MODERNIDADE III - SHAKESPEARE E O TWITTER
Não tenho twitter. Acho que as coisas que penso e quero dizer não cabem em 140 caracteres. Para mim, o mundo é muito mais complexo. Tenho a convicção de que a palavra “rosa” não carrega o seu perfume. E nem na palavra Grêmio cabe toda a paixão tricolor. Já pensaram o que diria Shakespeare sobre o twitter? Vejamos essa parte da peça Julio Cesar: “De uma feita, numa tarde enublada e tempestuosa, em que o Tibre agitado se batia dentro das próprias margens, perguntou-me Cesar: ‘Cássio, ousarias atirar-te junto comigo, na corrente infensa e nadar até ali?’ A corrente roncava. Cesar gritou: ‘Socorro, Cássio! Afogo-me’ (citei de memória)”. Se fosse no twitter, simplesmente se diria: “Cássio e Cesar acabaram de se atirar no Rio Tibre e quase morreram. Incrível. Que vergonha. Cesar não sabia nadar. Cássio o salvou”. Pronto! Ora, assim como as palavras não carregam as coisas, a linguagem não consegue abarcar tudo. Os psicanalistas (e os hermeneutas, onde me incluo) sempre dizem que “sempre sobra algo quando se diz algo”. Muito bem. Mas, com a “era twitter”, vocês não acham que sobra demais? Ainda: a quem interessa que o cachorro da atriz fulana fez xixi no tapete? Ou que o diretor de futebol de determinado clube tem um cachorro de tal raça? Mundo mundo vasto mundo, se eu me chamasse Raimundo, seria uma rima, não seria uma solução... No twitter, esse trecho de Drummond viraria “Vejam: Raimundo não gosta de seu nome; quer mudar; que coisa, não? Esse Raimundo...Te liga!”. E eu vou estocar comida. De verdade. Sem twitter.

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