segunda-feira, 8 de agosto de 2011

INDIGNAI-VOS E ESTOCAI COMIDA PARTE III

ONDE COLOCAR OS 29 MIL PRESOS DO RS?
Esta é a manchete da semana nos jornais gaúchos. Pois bem. Falo disso de cadeira. No dia 14 de julho de 2009, atuando como Procurador de Justiça junto ao TJRS, pedi a Intervenção Federal no Estado. Fiz uma longa representação ao Procurador-Geral da República. Juntei DVD’s, dados, fotos, etc. Mostrei àquela excelsa autoridade a visão do inferno. E alertei: vai piorar. Invoquei os artigos da Constituição que autorizavam a Intervenção. E as vagas não aumentaram. A governadora Yeda mandou um ofício ao PGR, defendendo-se, dizendo que não era cabível a intervenção, porque estavam sendo construídos presídios. Já na época tive frouxos de riso... Na verdade, farfalhava.
ONDE COLOCAR OS PRESOS – PARTE II – AH, EU TINHA RAZÃO!
Fiz o pedido de Intervenção porque estavam sendo soltos acusados presos em flagrante por assalto (à mão armada). Em uma mesma semana, somente eu trabalhei em quatro casos desse tipo. Os réus foram soltos porque não havia vagas. Desde lá, quantos foram soltos por isso? Quantas pessoas foram mortas, assaltadas, estupradas por pessoas que não foram recolhidas porque não havia vagas? Hein? O Procurador-Geral não despachou até hoje o pedido. Tivesse sido feita a intervenção e já teríamos novos presídios. Com a intervenção, tudo corre(ria) rápido. E sem burocracia (e, provavelmente, com menos corrupção). Mas, na época, nem a Defensoria Pública e nem a OAB apoiaram meu pedido. O prejuízo da não construção dos presídios de lá para cá? Incalculável! Perguntem para os assaltados. E perguntem para os familiares dos presos que dormem amontoados e que sofrem com os achaques dos grupos dominantes do interior dos presídios. É. Pois é. Isso não dá voto. Por tudo isso, permito-me insistir: indignai-vos! E admitam: eu tinha razão. Basta folhear os jornais da época.
AINDA A QUESTÃO DOS PREÇOS EUA-BRASIL
Leio que no mercado há a oferta de BMW por 120 mil reais (U$ 75 mil). Nos EUA, você paga, pelo mesmo modelo, um terço do preço. Um Sonata sai aqui por mais de 70 mil dólares; nos EUA, por 21 mil. Hum, hum. E saímos por aí rodando, sem reclamar.  Por que essa diferença?  Será só por causa dos impostos?
O POVO, A SAÚDE E OS ESTÁDIOS – A CRIAÇÃO DO “PROSOCOR”
Sem pieguice. Mas tenho que contar. Ouvi no Rádio. Sujeito sofria de apnéia. Mas sofria mesmo. “Mal que nem um peixe”. Há dois anos conseguiu marcar uma consulta em Hospital. Ufa! Depois da consulta, mandaram-no, corretamente, fazer um exame daqueles que o sujeito passa a noite dormindo cheio de fios. Pasmem: está marcado para daqui há dois anos! Que tal? Bem que o paciente gostaria que parte do dinheiro investido nos Estádios de futebol para a Copa pudessem ser “desviados” para os Hospitais. Aliás, com tanta corrupção, que tal inventarmos uma nova modalidade? A corrupção da corrupção. Ou fazer um chamamento: corruptos, dêem uma função social ao que roubam. Poderíamos dar incentivo fiscal para que 10% do que for roubado retorne em benefícios sociais...! Imaginem a placa: este hospital foi construído com recursos advindo dos 30% da corrupção da obra X! Já posso ver adesivos em carrões: “Eu aderi ao PROSOCOR”. O que é PROSOCOR? Programa de Socialização da Corrupção.  Que lhes parece? Agora vai!
CONSTRUINDO UM BUNKER PARA ESTOCAR MAIS COMIDA AINDA
A empresa de telefonia OI acredita mesmo na cultura. Que bom. Deu 300 mil para a neta do Lula fazer uma peça de Shakespeare. Mas, se o “investimento” foi via Lei Roanet, quem está pagando é a choldra. É caridade com o chapéu da escumalha. Esta coluna está à disposição para ser patrocinada pela OI. Shakespeareanamente! Nem precisa os 300. Só o suficiente para estocar mais comida e construir um bunker, porque o caos é inexorável!
  

quinta-feira, 28 de julho de 2011

ARTIGO | CRÍTICA AO MESTRADO PROFISSIONALIZANTE NO DIREITO

Lenio Streck escreve artigo, com post scriptum ratificado por Jacinto N. de Miranda Coutinho, sob o título "Em defesa da pós-graduação acadêmica: notas sobre a inadequação do mestrado profissionalizante na área do direito ou 'das razões pelas quais o direito não é uma racionalidade instrumental' ".

O artigo está disponível no endereço abaixo:
http://www.4shared.com/document/0cbsxoBB/Mestrado_Acadmico_Lenio_Streck.html

sábado, 23 de julho de 2011

COLUNA DO JORNAL "O SUL" (23/07), por Lenio Streck

INDIGNAI-VOS E ESTOCAI COMIDA - PARTE II

ATÉ NA CLASSE EXECUTIVA É DIFÍCIL
Outro dia escrevi sobre um périplo de um voo que fiz entre POA-Belém. Ficou por isso mesmo. Mas, hoje, tem mais. Há tempos, em face de minha altura e minhas costas doloridas, procuro, em voos internacionais, andar de classe executiva, para escapar da classe econômica. Ali, falta só o remo e um chibateador (registre-se: em todas as cias. aéreas).  Quando não tenho milhas para fazer up grade para a executiva, compro. Com os direitos autorais dos meus livros consigo pagar duas ou três passagens ida e volta aos EUA ou Europa. Caro. Para os meus padrões, muito caro. Mas minhas costas exigem esse sacrifício pecuniário.

O (DES)CONFORTO DOS PASSAGEIROS – ATÉ QUANDO?
Pois bem. Voo para os EUA. Um 767-300. Ele tem cinzeiros. Sim, ainda existe isso.  Achei uma bagana de Hudson com ponteira (é uma metáfora, é claro). A TAM – foi com ela que fui – cobra uma fortuna e fornece poltronas na Classe Executiva desse 767-300 que reclinam um pouco mais dos bancos da saída de emergência. E, como sempre, ninguém – a não ser eu – reclama. Imaginem como é a classe econômica (de todas as companhias, quando o cara da frente reclina o banco, bate no seu nariz; quem tem varizes, então...). Quando é que as companhias aéreas darão mais espaço e conforto para os passageiros? Quando? Vejam: qualquer classe executiva possui poltronas que viram camas (aliás, os A-320 da TAM fazem isso – é uma maravilha). Mas esse 767-300... Vou pedir meu dinheiro de volta. Ah, vou. Comprei gato por lebre. O que sobra? Só uma coisa salva: a gentileza dos comissários de bordo. P.S.: chegará o dia quando o direito dos consumidores será respeitado. Passageiros de todo mundo: indignai-vos! Nada tendes a perder a não ser os vossos estoques de comida!

O CAPITALISMO DE PINDORAMA OU THE BUTIÁS FELL OUT OF MY POCKET
É de fancaria o capitalismo de terrae brasilis. Há tempos venho falando disso com o G. Vitorino, no Pampa na Tarde. Vejam: um Sonata (Hyundai) importado da Coréia sai nos EUA por 21 mil dólares (é o que vale um carro choldréu no Brasil, sem air bag e sem câmbio automático). Engraçado: no Brasil, o mesmo carro sai por 71 mil dólares. Uau!  The butiás fell out of my pocket (os butiás caíram do meu bolso!) Para galhofar um pouquinho com os “granfinos” nativos (que gostam de esnobar seus “carrões”): a maior parte dos carros que em Pindorama parecem “chiques”, nos EUA é populus. Mas será que é só o valor do imposto que faz a diferença? Vitorino: ajude-me! Grand Cherokee, ano 2011, por 31 mil dólares; em Pindorama, nem vou dizer. Mais: vinho argentino Alamos Malbec, 8,99 dólares; no Brasil, mais de 30 dólares; Catena por 19,89 dólares; já no Brasil... O sanduíche do Mc Donalds no Brasil custa 60% a mais do nos EUA... Gasolina: a nossa é 62% mais cara. O que está acontecendo em Pindorama? Indignai-vos! E estoquem comida. Mas não estoquem vinho. É muito caro.

ESTROINANDO COM O POVO
E que tal a votação da lei 12.403? Sim, falo (de novo) da lei que exige “pistolão” para que alguém do “andar de cima” vá preso. É mais fácil um aluno rodar na Faculdade de Direito que um nababo ser preso no Brasil... (estou sendo sarcástico).  Tenho frouxos de riso quando penso nas votações “simbólicas” do parlamento. Os deputados gostam de estroinar com o povo. Nossos parlamentares quedaram-se silentes na votação da lei 12.403. Portanto, ficaram a favor. Aposto que os assaltantes do hotel do Rio e os que explodiram bancos no RS foram beneficiados pela Lei. E os deputados falam contra a impunidade... Pensei: como teria votado o Dep. Enio Bacci? Gosto do Bacci. Penso: ao contrário da Manuela, que concorda com a lei, ele não concorda(ria) com essa lei. Mas a votação foi simbólica... Até tu, Bacci! 

domingo, 10 de julho de 2011

COLUNA DO JORNAL "O SUL" (09/07)

A PERDA DO PUDOR
As companhias aéreas – e o sistema Anac-Infraero – perderam o pudor. O direito do consumidor só existe no papel. Hoje vou falar apenas da TAM. Aeronaves desconfortáveis que cortam os céus do Brasil. Bancos apertados. Viagens que arrebentam o traseiro e as costas do vivente. Dia destes, fui a Belém. Acordei às seis horas. O voo só saiu às 16h. Da GOL fui transferido para a TAM. Culpa do tempo, disseram. Conexão em SP, uma zona. Rodoviária de quinta. Uma choldra formando filas. Maioria dos voos atrasados. E ninguém reclama. Uma senhora desmaia. E junta mais gente. Parece que parte da população que passou a andar de avião (prosperidade), e paga a passagem em dez vezes, considera-se abençoada e grata pelo simples fato de poder voar. E aceita ser chicoteada. Como bois no brete. E aquele “gritedo” dos alto-falantes, trocando de portão, comunicando atraso etc. O voo para Belém sai com uma 1h e 45min de atraso. Todo mundo amontoado. Viagem longa. Chegada: duas horas da manhã. E o que servem de jantar? Um cachorro quente vagabundo. Sequer pedem desculpas pelo atraso. Resumo da ópera: as Cias.  “fazem um monte” (sic) para os usuários. Quando o cara do banco da frente reclina, bate no seu nariz. E os voos estão cheios. Vamos fazer a Copa do Mundo. Infraero, Anac. Maravilha.

PÂNDEGAS E GALHOFAS
Indignação? Difícil. Vida de gado, sim. O funcionário da Anac debocha. O da Infraero só falta fazer pilhéria. O da Cia. aérea mente descaradamente sobre horários e conexões. O controle de raio X é terceirizado. Somos pândegos. E galhofeiros. Viva a Copa. Estádios em Manaus, Cuiabá, Natal, Fortaleza, SP, cada um custando uns 500 milhões; Maracanã e Mineirão: 1 bi e 700 mi. E a choldra se queda silente. Faz longas filas. E o BNDES vai adoçar o Pão de Açúcar com 4 bi. Não há leitos disponíveis nos hospitais. O povo toma soro em pé. Mas o TSE informa que agora a votação será digital. Ufa! Legal! Desculpem-me. As tropelias do meu voo pela TAM nada tem a ver com isso. Ou, pensando bem, tem, sim. Tudo está entrelaçado. Indignemo-nos. Ou compremos mais passagens aéreas. E ganhemos cachorros-quentes e um refri. Deveríamos convidar o Min. Jobim, que tem mais de um metro e noventa de altura, a viajar em voos comerciais (embora ele já não viaje mais com a escumalha). Não foi ele quem reclamou dos espaços entre os bancos? Tenho que farfalhar. Com frouxos de riso...! Enquanto isso, volto a estocar comida!

A “VOTAÇÃO” DA NOVA LEI DAS PRISÕES
Descobri! A mais que polêmica Lei que facilita a vida dos criminosos (mormente os do “andar de cima”), cuja motivação foi a de desafogar os presídios (aí não precisam construir novos, certo?) foi aprovada por VOTAÇÃO SIMBÓLICA. Liguei para a Câmara e Senado. Nos gabinetes, ninguém soube informar como o deputado votou. E as atas de votação nada dizem. Únicos que assumiram a autoria: Sen. Simon e Dep. Manuela. São (foram) a favor. Pronto: eleitores de todo o Rio Grande, cobrem essa “votação simbólica” dos parlamentares. Ou que se expliquem porque foram a favor. Ou fujam para um lugar seguro. Mas não esqueçam de estocar alimentos. PS: quando o seu deputado/senador falar contra a impunidade, pergunte-lhe como foi seu voto na Lei 12.403!

O “NASCIMENTO” DE UM GÊNIO DAS FINANÇAS
Incrível o caso do Ministério dos Transportes. E que tal o menino prodígio multiplicador de dinheiro? O nome da firma do filho do Ministro é VERBA LIFE. O slogan é igual ao do Palocci: QUER ENRIQUECER? PERGUNTE-ME COMO! Entenderam?

NOTÍCIAS DE MINHA IDA A BELÉM DO PARÁ

Por convite do Programa de Pós-Graduação em Direito – mestrado e doutorado – da UFPA, lá estive dia 1º De julho. Pela manhã, fiz uma aula-palestra para os alunos da pós, da graduação, com a presença dos professores. A temática foi Teoria da Decisão em tempos de Protagonismo Judicial. Casa cheia. Muitas perguntas ao final. Muita gente com os livros Verdade e Consenso, Hermenêutica e(m) Crise e O que é isto – decido conforme minha consciência? Falei sobre a crise da dogmática jurídica, fazendo a ligação com o senso comum teórico (Warat). Mostrei – tema que venho repetindo – que o direito traiu a filosofia. A crise da sala de aula dos cursos de pós-graduação; a crise dos próprios curós de pós-graduação, onde cada vez mais se produz dissertações e teses dogmáticas. Sim, no Brasil há dissertações sobre Cheque, sobre Oficial de Justiça, sobre Saídas Temporárias; há teses de doutorado sobre Embargos Infringentes, Agravo de Instrumento, Inquérito Policial, Serviço Postal etc. E por que isso? Porque continuamos a pensar que o direito é uma mera racionalidade instrumental. Ainda pensamos que o direito é uma técnica. Nesse contexto, fiz o histórico do positivismo, de Hobbes aos nossos dias. Mostrei porque ocorre a crise da dogmática. E porque o direito pode ser um “instrumento” de emancipação social. Também demonstrei que, para que possamos controlar as decisões judiciais, necessitamos uma teoria da decisão. Foram 90 minutos de muita discussão. Saúdo o Programa da UFPA. À tarde, participei da banca de doutorado da Ana Claudia Pinho. Bem acompanhado por Alexandre Morais da Rosa, Marcos Alan, Paulo Weyl e o grande orientador da tese, Antônio Mauês. Excelente a tese da Ana. Disse, na ocasião, que é assim que se faz uma tese. A tese faz uma crítica aos fundamentos epistêmicos do garantismo ferrajoliano. E utiliza como base a hermenêutica, com muita ênfase na Nova Critica do Direito (que fundei há mais de dez anos). E ela também referencia vários trabalhos que orientei, como o livro de Maurício Ramires (Crítica à Aplicação de Precedentes no Direito Brasileiro) e o de Rafael Tomaz de Oliveira (Decisão Judicial e O Conceito de Princípio). Foi gratificante. Parabéns Mauês e equipe. Parabéns a Ana.

quarta-feira, 29 de junho de 2011

COLUNA DO JORNAL "O SUL" (25/6)

O CASO DA PRISÃO DO PROMOTOR

Foi a notícia da semana: “defensora pública prende promotor de justiça”. Minha reação imediata foi uma onomatopeia (tsk, tsk, tsk). Sem precisar discutir a “causa”, lembremos: no meio do júri, o promotor teria proferido palavras ofensivas à juíza. A defensora teria dito à juíza: ele está lhe desacatando. Prenda-o... A juíza disse que isso era caso para a Corregedoria. Ato contínuo, a defensora disse algo do tipo “então o prendo eu”. E o fez, segundo ela, como “qualquer do povo”...!

QUEM PODE PRENDER?

A aguerrida defensora deveria ter lido a Lei 8.625 (art. 40), o Código de Processo Penal e a Constituição. Pela Lei, um Promotor somente pode ser preso em flagrante por crime inafiançável ou por ordem escrita do Tribunal (nem de um juiz a ordem pode ser); pelo CPP, sabe-se que qualquer do povo só prende quando não tiver autoridade para determiná-la; e, pela Constituição, sabe-se que, ao contrário da defensora, o Promotor possui foro privilegiado.

A SUCESSÃO DE EQUÍVOCOS

Um júri não é um circo. Não deve servir para bate-bocas e disputas corporativas. O Promotor, com seu comportamento, “não se ajuda nem um pouquinho”, como se diz lá no Itaqui. Entretanto, se assacou ofensas, isso é matéria para processo criminal e administrativo, feitos a posteriori. Mas, insisto, mesmo que o desacato estivesse escancarado, não caberia a prisão em flagrante. E muito menos por obra da defensora. Aliás, em um primeiro momento, a juíza acertou. Instada pela defensora, disse que não o prenderia. Mas, em um segundo momento, errou feio ao não admoestar a defensora, que acabara de cometer um disparate (e não adianta dizer, agora, que há uma diferença entre “voz de prisão” e “prisão efetiva”... - sic). Se a defensora desconhecia a lei, a juíza, então, deveria tê-la corrigido. Com isso, em um terceiro momento, o Promotor, de acusado, passou à vítima, porque o privaram de sua liberdade.

LENDAS URBANAS E CORPORATIVISMO

Assim se formam as “lendas”. A internet está repleta de fofocas, dando conta do “poder de prisão” da defensora pública. Calma, pessoal. A coisa não é bem assim. Penso que a própria Defensoria Pública, instituição tão importante, deveria vir a público para esclarecer isso, para que não fiquemos apenas com as versões emocionais dos “contendores”. Com honestidade intelectual, vamos esclarecer para as pessoas que pagam nossos bons salários, quem, afinal, pode prender em uma seção do júri...! Ou isso é uma “questão de mera opinião”? Meus leitores entendem o que quero dizer? Ou a prisão poderia ter sido feita ou não. Mas, por favor, vamos deixar isso claro, antes que as lendas se consolidem, ao calor das paixões corporativas. E quando falo de corporativismo, lembro-me de uma história que se passou comigo. Estava eu no Rio de Janeiro, convidado para um painel sobre garantias processuais na Defensoria Pública. No meio das falas, fomos interrompidos - diga-se, com toda a lhaneza - pelo Defensor-Geral, anunciando que uma defensora tinha obtido um habeas corpus para um indivíduo acusado de ter matado parte de uma família, em um caso rumoroso. E todos aplaudiram entusiasticamente. Tudo bem. Como sou um militante das garantias dos réus, tendo sido um dos primeiros após a Constituição a radicalizar isso, sou insuspeito para falar sobre essas coisas (além disso, várias vezes escrevi que a ausência de Defensoria nos Estados configura inconstitucionalidade, além do cabimento de ADPF). Meus livros e minhas ações falam por mim. Mas - e rogo para que não me entendam mal - naquele episódio do Rio uma coisa me deixou intrigado e não consigo tirá-la da cabeça: por que as palmas prolongadas? Precisavam comemorar a soltura do “cara”? Ou, quem sabe, a exemplo do que possa ter ocorrido no júri desta semana em Porto Alegre, o acusado era um troféu em disputa? Na República, réu não rima com troféu... Peço que reflitam a respeito!

domingo, 19 de junho de 2011

Sobre o Congresso em Curitiba (em homenagem ao Jacinto)

Um seguidor do facebook pediu para que eu comentasse o congresso em homenagem ao Jacinto, em Curitiba (maio de 2011). Lá estive e fiz a conferência (palestra) de encerramento da noite de sexta-feira, dia 6 de maio. Decidi levar a sério uma certa promessa que me fiz há pouco tempo, que, aliás, coloquei em prática em Natal e depois em Salvador. Trata-se do "projeto" "vou voltar aos velhos tempos de mim", isto é, resgatar a velha crítica à velha dogmática jurídica. Essa critica eu já a faço desde antes da Constituição de 1988 (na verdade, considero-me "recepcionado pela Constituição", portanto, sou um indivíduo constitucional...!). Pensei que seria necessário retomar a crítica, que tem sua raiz em Luis Alberto Warat e Tercio Ferraz Jr., para referir apenas estes dois. Na palestra em homenagem ao Jacinto, mostrei que a dogmática jurídica é a responsável direta pela crise do direito. Vejamos: o direito penal fracassou. Para verificar isso, basta ver a falta de uma filtragem hermenêutico-constitucional, que, feita seriamente, reduziria o Código Penal à pó. Isso, aliás, venho denunciando há mais de quinze anos. Ou há mais tempo. Um país em que o furto de um botijão de gás feito por duas pessoas tem a pena semelhante à lavagem de dinheiro não pode se dizer democrático no sentido de que fala a Constituição...! Sem contar o "espetáculo" que é a comparação do crime de sonegação de tributos e o de furto, no que tange ao pagamento do "prejuízo". E os livros "manualescos"? Tem livro que ensina que "agressão atual é aquela que está acontecendo e iminente é a que está por acontecer"; "coisa alheia no furto é aquela que não pertence à pessoa"; "cadáver não pode ser vítima de homicídio"; "noite é a total ausência de luz"... Que coisa, não? I rest my case! No processo penal, o fracasso advém do modelo inquisitivo. Veja-se o escândalo que é a noção de "verdade real" assumida pela literatura proecssual penal de terrae brasilis. A doutrina, modo geral, faz um sincretismo teórico entre o paradigma objetivista da metafísica clássica e o paradigma da filosofia da consciência. Isso pode ser visto em autores que vão desde Damásio de Jesus à Ada Pellegrini Grinover. Alguns processualistas sedizentes críticos tentam resolver "a questão da verdade" assumindo uma postura relativista, dizendo que "toda a verdade é relativa"... Que coisa, não? Há um autor que fez uma tese de doutorado para dizer que "cada um tem a sua verdade"...! De todo modo, se alguém quer saber sobre o destino do processo penal, basta ver o "caso Edmundo" ou o "caso Pimenta Neves". Fracasso total! Agora vem aí o "novo" Código de Processo Penal, que resolve o problema da gestão da prova a partir da tese do "livre convencimento". Quer dizer: em pleno paradigma da intersubjetividade, aposta-se na filosofia da consciência. Notícia: o projeto do CPP contém trinta previsões de atuação "de ofício do juiz". O mesmo ocorre no Processo Civil, em que o "novo" CPC também aposta nesse "livre convencimento". Ou seja, para resolver o problema do processo, vamos apostar no protagonismo judicial. Que leitura de Oskar von Bülow, não? Socialismo processual nestes tempos pós-positivistas e de predomínio do paradigma da linguagem? Por isso, disse com todas as letras no Congresso em homenagem ao Jacinto: "o direito traiu a filosofia". Só para frisar: a grande preocupação dos cursos de pós-graduação em direito no Brasil tem sido o acesso à justiça. Pois bem. Desde a lei 8.038/90 o establishment tem construído mecanismos com claro objetivo de obstaculizar a "subida" de recursos ao STJ e STF. Vejam as leis 9.137, 9.756 etc. Vejam as súmulas vinculantes e a repercussão geral. Esse conjunto de mini-reformas, todas gestadas pelos setores "instrumentalistas" da dogmática jurídica, nada resolveram. E por quê? Porque apostaram - e apostam - no protagonismo jduicial, que é o cerne do instrumentalismo...! Tanto nada disso deu certo, que, agora, o Presidente do STF propõe a PEC dos Recursos. O que é isto, senão a confissão de que as mini-reformas fracassaram? A única coisa que ninguém diz é: quem são os responsáveis? A doutrina, no Brasil, não doutrina mais; na verdade, tem sido caudatária daquilo que os Tribunais decidem. Assim, pergunto: qual é o papel dos juristas? Vale a pena estudar? Vale a pena pesquisar? Para que serve a doutrina? Por tudo isso, venho propondo - e deixei isso muito claro em Curitiba - que os setores críticos do direito façam um "constrangimento epistemológico" acerca daquilo que os Tribunais decidem. A doutrina deve doutrinar. A crítica deve criticar. Foi uma conferência que durou 50 minutos, que passou das onze da noite. E ninguém arredou pé. E isso me deixou muito feliz. Por vezes pessimista, nestes momento, me transformo. Bueno. É isso. Aproveito para informar que, na semana que passou, a equipe do Dasein, formado por Clarissa, Ariel, Santiago, Danilo, Fabiano e Rafinha fizeram a revisão da quarta edição do Verdade e Consenso, que sairá pela Saraiva em breve. Saudações.